quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Os Tropeços dos " Quês"

Os Tropeços dos " Quês"
Há muitas vezes, um acúmulo de quês, num período, tornando-o duro, manquetola. Os quês são pedras no caminho... e são fáceis de evitar com imenso proveito para a beleza e a fluência frasal. Os períodos de orações ligadas por quês relativo ou integrantes são muito comuns no português do século XVI e XVII, com ressaibos se latim. E o estilo fica empeçado, interrompido, gaguejante. Hoje já não se usa mais. Está, no mínimo, fora de moda
De outro lado há, na fraseologia proverbial, folclórica, popular, uma espontânea repetição, sem valor sintático apenas como realce.
"Que é que é que cai em pé e corre deitado?
R.: Chuva."
"Que é que é:
que alto mora,
todos o vêem
e ninguém o adora?...
R.: Sino."
"O que é, o que é:
Capote,
Capotinho,
Capotão
R.: Cebola"
"O que é o que é: pé redondo, rasto comprido...
R.: É carro."
"Uma das grandes causas da dureza no estilo é a exuberância dos quês. O abuso dos quês era defeito geral nos nossos clássicos que construíam períodos intermináveis que fatigam o alento dos leitores mais intrépidos e não os deixam chegar ao suspirado fim, tal é a espessura e moita cerrada de orações gramaticais encadeadas por que..."(Novíssimos Estudos da Língua Portuguesa - Mario Barreto - 2ª ed.)

É, sem dúvida, a forte mania latina de períodos encadeado, repletos de orações subordinadas, de estrutura difícil e complicada, ao menos, para o nosso gosto atual. Vejamos alguns Exemplos camoneanos de quês expletivos.

"Também será bem feito que tenhais
da terra algum refresco e que o Regente...
que esta terra governa, que vos veja
e do mais necessário vos proveja." (Lus, 1,55.)

Além do excesso dos quês, o último, que está assinalado, é um integrante expletivo.

"Quando as infindas gentes se chegaram
às naus que pouco havia que ancoraram." (Lus, 2,1.)
O quê assinalado é somente um expletivo, sem função sintática alguma.
Quantos montes, então, que derribaram as ondas que batiam denodadas..."(Lus. 6,79).

Que: expletivo

Exemplos de Camões, do século XVI. Agora um exemplo do admirável estilista Frei Luiz de Sousa, no século seguinte.
Parece-me que quem com atenção tiver lido o que até aqui escrevemos da vida que o arcebispo fazia, e ponderar bem os cuidados do espírito e trabalhos do corpo, em que a toda hora se ocupava, mais se espantará de como podia sofrer o cargo tão pesado, que da ânsia que tinha pelo lançar de si.
Que, na verdade, pólos que com semelhante zelo se governam nas prelazias, se deve entender o que diz o apóstolo:
O português conhece
vários recursos para fugir dessas pedras do caminho.

Os adjetivos
O homem que trabalha e que não desanima acaba por triunfar.
O homem trabalhador e perseverante...

Os infinitivos.
A testemunha afirma que não percebeu que a vítima que estava caída ao chão estava morta
A testemunha afirma não ter percebido que a vítima, caída ao chão, estava morta.

Os particípios e aos gerúndios:
São estes os estudos que fiz depois que terminei o curso
São estes os estudos feitos, terminado o curso.
Vi a águia que voava no céu.
Vi a águia voando no céu.

As preposições:
Livro que contém verdades duras.
Livro com verdades duras
Receitas que se destinam à cozinha brasileira.
Receitas para...

Depois do classicismo latinizante, a começar pelo estilo coloquial de Garret em "Viagens na Minha Terra" e completando-se com Eça de Queirós , a língua portuguesa teve uma extraordinária revolução no seu estilo. Modernizou-se atualizou-se, remoçou-se. E está ao nosso alcance.

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